O filme de Ted Bundy romantiza o serial killer?

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Os estudantes se reúnem para assistir à série da Netflix “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy”. (Kylee Lapeyrouse)

Um washingtoniano tranquilo e carismático começou seu primeiro semestre na faculdade de Direito na Universidade de Utah em 1974. Ele chegou na área de Salt Lake City em seu fusca escuro, intrigado pelas paisagens ao seu redor, de acordo com a série da Netflix “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy”.

Um ano depois, ele começou a frequentar as reuniões de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Ele foi descrito como amigável, charmoso e bonito. Ninguém conhecia o nome Ted Bundy e que ele já tinha matado seis mulheres no Noroeste Pacífico ou que algumas mulheres em Utah seriam as próximas vítimas.

Bundy admitiu ter estuprado, raptado e assassinado pelo menos trinta mulheres antes de sua execução em janeiro de 1989.

Frequentemente afirmado como um dos serial killers mais notórios da história americana, a conversa sobre Bundy reapareceu com o lançamento de “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy”, e o filme “Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile”, que foi lançado no Sundance Film Festival.

O título do filme de Sundance veio dos comentários finais do juiz Edward D. Cowart no final do julgamento de Bundy versus The State of Florida, onde Bundy foi julgado como culpado por duas acusações de assassinato em primeiro grau, três acusações de tentativa de homicídio de primeiro grau e duas acusações de roubo.

Cowart disse para Bundy que os assassinatos foram “extremamente perversos, chocantemente malignos, vis e o planejamento do ato era o de infligir um alto grau de dor e total indiferença à vida humana”.

Dirigido por Joe Berlinger, o filme é uma representação dos crimes de Bundy, do ponto de vista de sua namorada de longa data Elizabeth Kloepfer.

Entre 1974 e 1975, Bundy cometeu cerca de cinco assassinatos diferentes em Utah dando ao estado e seus moradores uma conexão local com o assassino.

Caroline Drasbek, estudante da BYU, disse que Bundy sempre lhe interessou.

Drasbek disse que sua mãe cresceu em Salt Lake City e morava perto do apartamento de Bundy. Ao crescer, sua mãe sempre dizia: “cuidado com o mal por trás dos olhos sorridentes”.

“Eu perguntei, ‘mãe, o que significa isso?’ ”, e agora sei que ela não estava falando especificamente sobre Ted Bundy, mas sobre o tipo de coisa em que as pessoas tentam enganar e encantar você. Então, estou um pouco mais atenta”, disse Drasbek.

Melissa Smith, Laurie Aime, Nancy Wilcox, Debby Kent, Susan Curtis e Nancy Baird foram sequestradas em 1974. Curtis foi levada do campus da BYU durante uma conferência de jovens da Igreja SUD. Carol DaRonch também foi sequestrada, mas conseguiu escapar de Bundy e depois testemunhar contra ele no tribunal.

Mesmo que Bundy tenha confessado os crimes, muitos consumidores da mídia não se esquivaram de sua paixão por Bundy, segundo Drasbek.

“Eu acho que as pessoas estão sempre interessadas no que não é normal. Eu não acho que as pessoas são obcecadas por ele, mas porque ele era diferente”, disse Drasbek. “Eles não são tipicamente atraentes ou charmosos. Ele não é apenas diferente porque é um serial killer, mas porque é um tipo diferente de serial killer.”

O professor de comunicação da BYU, Kevin John, disse historicamente que as pessoas são atraídas pela violência.

John disse que, mesmo pensando sobre o coliseu romano, seu propósito específico era pacificar o povo. A ideia era que, se as pessoas observassem um comportamento violento, eliminariam esses sentimentos violentos da sociedade e seriam menos propensos a cometer atos violentos, disse ele.

“Mas essa é uma abordagem falha. Mas até hoje, se você olhar para o tipo de conteúdo que consumimos habitualmente, nós vemos muito mais assédios, assassinatos e coisas desse tipo”, disse John. “Então, temos esse atrativo em relação a isso e parte disso é porque é diferente. Isso desafia o statu quo. Está fugindo da monotonia da nossa vida.

John sugeriu que outra razão pela qual os consumidores podem se interessar pela história de Bundy é porque eles têm o poder de desligá-la quando fica tenso demais. Os espectadores estão no controle de quanto da história eles querem assistir e sempre podem parar quando fica incômodo.

Contudo, John alertou sobre o desfoque das linhas de eventos reais que aconteceram em contraste com aqueles enlatados e feitos para entretenimento. Ele disse que sempre houve preocupação com os tipos de mídia que as pessoas consomem e o que isso significa para elas.

“O ritmo do nosso consumo de mídia está meio que interrompendo nossos processos psicológicos”, disse John. “Por exemplo, você clicará em uma notícia trágica e pouco antes de vê-la, há uma propaganda sobre a empresa de seguro Progressive com uma piada. Então uma família com três filhos foi assassinada. Depois disso, outro comercial alegre. E nós não temos a chance de processar as coisas. ”

John disse que não vai se aprofundar nos processos de como as pessoas normalmente poderiam deixar os espectadores em um estado de exposição superficial constante.

Alguns moradores de Utah não precisam do retrato da mídia de Bundy para lembrá-los do que ele fez porque eles viveram aquilo.

Assim como DaRonch, Rhonda Stapley compartilhou sua própria experiência de ser sequestrada por Bundy. Em seu livro “I Escaped Ted Bundy: The Attack, Escape & PTSD That Changed My Life”, Stapley conta sobre Bundy oferecendo-lhe uma carona e terminando em um desvio de rota para Big Cottonwood Canyon.

Rhonda Stapley compartilha suas experiências de quando escapou de Ted Bundy durante a sessão de autógrafos na Weller Bookk Works em Salt Lake no dia 16 de fevereiro. Esse evento aconteceu depois do lançamento do filme “Extremely Wicked, Shockingly Evil, and Vile” e a série da Netflix “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy”. (Kyle Lapeyrouse)

Stapley compartilhou sua história durante uma sessão de autógrafos em Weller Book Works no dia 16 de fevereiro.

Ao estacionar no cânion, Stapley disse que achava que Bundy ia tentar beijá-la, e ficou preocupada em ofender Bundy ao recusar o beijo.

Bundy então se inclinou para Stapley, no que ela achou que seria um gesto de flerte e disse, “sabe de uma coisa? Eu vou matar você.”

Em seu livro, Stapley contou que escapou de Bundy, sendo levada rio abaixo e caminhando quilômetros até voltar para o seu apartamento.

“Ser atacada, quase assassinada e abusada sexualmente não era algo que me passasse pela cabeça, então decidi que a melhor coisa para mim era absorver, ir para casa e fingir que nunca aconteceu”, disse Stapley.

O estudante da BYU, Michael Quada, disse que o retrato de Bundy no filme de Sundance causa um problema quando se trata de lembrar das vítimas. Quada disse que acredita que o elenco de Zac Efron no filme faz parecer que Bundy está sendo romantizado.

“O trailer me deixou super desconfortável e a entonação parecia muito ruim”, disse Quada.

No entanto, Quada disse que gostou da série da Netflix e do modo como aborda as vítimas do Bundy.

“É difícil ter uma perspectiva das vítimas já que a grande maioria está morta, mas eu adorei como o documentário da Netflix teve uma quantidade substancial de entrevistas com uma de suas vítimas (DaRonch) que sobreviveu”, disse Quada. “Eu acho que o documentário da Netflix fez um bom trabalho em prestar respeito às mulheres mortas e eu não acho que isso fez de Ted Bundy um herói mal-entendido ou algo assim.”

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